Minha mãe não estava nada bem. Há 9 anos com uma enfermidade sem diagnóstico, não sabíamos contra quem lutávamos. Os caroços já se alastravam por todo o seu corpo. Sua pele estava completamente tomada, e aparentemente não havia mais tempo para um diagnóstico preciso e uma possível intervenção medicamentosa. Dores horríveis eram combatidas com doses de um fortíssimo remédio em quantidades cada vez maiores e mais freqüentes. Ela já não enxergava bem, não evacuava há dias, e estava pele e osso, pra ser muito franco, caroço e osso. Sem cabelos por causa de medicamentos que eram ministrados um tanto à revelia - na esperança de um sinal de melhora - porém, nada acontecia. Toda alimentação era intravenosa pois as tentativas de uma alimentação oral eram frustradas, uma vez que o alimento voltava pelo mesmo caminho em situações de vômitos que arrepiavam. Após uma cirurgia infrutífera para desobstruir o intestino, a transfusão de sangue também foi necessária. O cirurgião abriu, olhou e fechou sem nenhuma intervenção. Afinal, todos os órgãos internos também estavam tomados pelos malditos caroços. A igreja orava. Os médicos se renderam, e conscientes da situação, reuniram a família e deram o veredicto: D. Penha não sai do hospital viva.
Mas foi num dos plantões que dei, passando a noite com ela no quarto, que tivemos uma experiência fantástica. Católica devota, minha mãe recebia freqüentemente a ministração da comunhão. Idalina, uma amiga fiel e ministra da eucaristia, estava logo cedo no hospital para dar-lhe a hóstia. Estávamos nós três e a cerimônia foi breve, mas cheia de significado. Perguntei se haviam hóstias suficientes para eu participar também, o que causou espanto nas duas. Minha mãe perguntou: “Meu filho, você pode participar?” Respondi que se as duas concordassem, sim. Só havia uma hóstia, e então partimos ao meio. Peguei minha Bíblia e li um texto alusivo à ceia. Com minha parte da hóstia na mão, dei graças e disse: “Mãe, lá na minha igreja usamos o vinho como símbolo do sangue de Jesus Cristo que foi derramado por mim e por você lá na cruz do Calvário. Mas como não temos vinho aqui, este sangue que está entrando na sua veia agora – ela estava recebendo uma transfusão de sangue naquela hora - vai representar o sangue do Cordeiro, o sangue de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Esta foi a primeira ceia que ministrei.
Contrariando todas as expectativas, minha mãe resistiu bravamente ao câncer por muito tempo ainda.
Anos depois num novo plantão hospitalar vivemos juntos outra experiência. Era uma tarde de sábado e algo aqueceu meu coração ao meditar na Bíblia. Compartilhei um texto com ela que apontava para Jesus Cristo como nosso único e suficiente Salvador. Perguntei se ela entendia e se queria fazer uma oração de entrega a Jesus. Ela balançou a cabeça que sim. Fiz uma oração simples de gratidão e entrega e ela concordou. Tia Derly ao lado da cama foi nossa testemunha. Na segunda feira ela faleceu.
Sou grato a Deus pelo exemplo de devoção e amor de minha mãe.