segunda-feira, 19 de novembro de 2012

a volta do filho pródigo - o livro





Quando a expressão artística funde-se com o conhecimento da Verdade, surge o belo.  A arte nada mais é do que uma fagulha da divindade expressa de uma forma perceptível. A poesia, a melodia, a métrica, a estética, a harmonia, enfim, o belo pertence a Deus. Eventualmente damos um salto e alcançamos esta dimensão.
Não me lembro de ter lido o mesmo livro mais de uma vez. Mas li quatro vezes A Volta do Filho Pródigo de Henri Nouwen. O melhor. O autor, um padre holandês, conseguiu entrar nesta dimensão do belo, numa amálgama perfeita que confundimos sua experiência com a Palavra revelada. E é assim que A Volta se desenrola. Uma profusão de vivências do autor em comparação com a história bíblica. Vida com Deus sugere compararmos os acontecimentos com as Escrituras. A receita desta amálgama passa por uma pintura do século XVII, uma parábola do século I e um homem do século XX em busca do sentido da vida.

o encontro

Um encontro displicente com um poster mudou a história de Henri. A gravura, uma réplica da pintura A volta do filho pródigo de Rembrandt, encantou o autor. Uma viagem inusitada a São Petersburgo, na Rússia foi a chance para visitar o Museu Hermitage, onde por horas se inebriou com a beleza da pintura original de Rembrandt . Depois de realizar muitas anotações e ouvir atentamente os comentários dos guias e visitantes sobre a pintura, Henri decidiu relatar suas descobertas. Foi a faísca necessária para que uma explosão de comparações entre os detalhes da pintura e as nuances da parábola se harmonizassem.
Deus ama encontros, se manifesta através deles e conduz a história por eles. Quer com pessoas ou objetos, encontros são sempre significativos. Henri Nouwen entendeu este princípio e escreveu A Volta do Filho Pródigo.

a identificação

Um dos pontos centrais do enredo de A Volta é a identificação do autor com os personagens. Ora o filho mais moço, ora o filho mais velho, ora o pai, com hábil capacidade argumentativa e refinado olhar para as demandas humanas, somos conduzidos pelas semelhanças de cada um desses protagonistas, suas características e seus arquétipos. Tais características são apresentadas de tal maneira que o leitor é, irresistivelmente, levado a se identificar com os personagens também.

o filho mais moço

Levante a mão quem se percebeu a “vida toda procurando amigos... carente de afeição... interessado em milhares de coisas, solicitando de um lado e de outro, atenção, louvor e afirmação.” Assim é o filho mais moço que sai da casa do pai dando ouvido a vozes instigantes que dizem : “Vá e mostre que você vale alguma coisa”. Com pensamentos que  sugerem que “não serei amado se não conseguir por meio de trabalho árduo e muito esforço” a aprovação que tanto anseio. Partimos para uma terra distante todas as vezes que sentimentos como “raiva, ressentimento, ciúme, desejo de vingança, luxúria, ganância, antagonismos e rivalidades” povoam nosso ser.
No quadro de Rembrandt o filho volta descalço e com a cabeça raspada, um indício de escravidão, mas o pai o recebe afetuosamente, com uma inclinação corporal significativa, com mãos protetoras e amáveis que vendem segurança.  Mãos da paternidade sem gênero, holística: a direita tipicamente feminina e a esquerda masculina.  O masculino e o feminino em ação. Uma tentativa de demonstrar iconograficamente o amor pleno.

o filho mais velho

O mais velho estava no campo. E é no campo que nos sentimos amargurados, indignados com a vida quando o irmão “diferente” é paparicado. É na árdua lida do campo que nos sentimos desprestigiados e sem reconhecimento. Este tipo representa quando nos revoltamos e percebemos que fizemos tudo na vida de forma correta, que atendemos religiosamente as figuras paternas – pais, responsáveis, autoridades, professores, patrões – e mesmo assim não somos recompensados ou reconhecidos. Uma injustiça para os mais polidos. E cheios de justiça própria, perdemos o traquejo e travamos. Ressentidos, não dançamos nem participamos da alegria da mesa do pai. Que chato. Somos mais velhos quando cedemos à métrica do mundo que compara, que mede, que insiste em estatísticas. Perdemos tempo e energia quando nos comparamos com os outros irmãos.
Na parábola o filho mais velho não está presente nem se alegra com a volta do perdido. Ele teria algo mais importante pra fazer. Mas Rembrandt não se prende a letra e retrata os dois irmãos na mesma obra. O mais velho, de pé à direita, coberto com um manto vermelho como o pai, é um espectador distante, que “olha para o pai mas sem alegria...não se aproxima, não sorri, nem expressa boas vindas”. Neste cenário teríamos um ótimo enredo para que Rembrandt pintasse outro quadro: A volta do filho mais velho.

o pai

Somos pródigos quando nos encontramos em terras distantes, onde a língua, os costumes e valores em nada se parecem com a casa do pai. Também somos filho mais velho quando não desfrutamos da plenitude da alegria da mesa do pai. Mas o target de nossa caminhada deve ser assumirmos o papel de pai: que espera, concilia e ama, por isso sofre. Que se alegra quando um filho retorna. “Alegria que não será completa até que todos aqueles que dela tenham nascido tenham regressado a casa e se reunido ao redor da mesa preparada para eles”.  Pai é aquele que sai ao encontro de todos os filhos, sem distinção. Sai para trazê-los para a mesa. Quando assumimos o ministério da paternidade abrimos mão de nossos direitos e investimos no outro com o propósito de levá-lo para uma festa badalada. Mas será que “desejo ser como o Pai? Será que desejo ser não somente aquele que está sendo perdoado, mas também aquele que perdoa? Não somente aquele que é bem vindo, mas aquele que acolhe? Não unicamente aquele que é tratado com compaixão, mas aquele que tem compaixão?” Queremos investir na carreira de promoters?
Na pintura a apoteose se revela nas mãos do pai. É o ápice da luz. Onde nosso olhar se detém. Mãos poderosas e carinhosas ao mesmo tempo. Mãos quentes, que acolhem e chamam para si. Que apertam contra o peito pulsante de tanta alegria. Que não tem medo do toque. Numa era high tech o que mais precisamos é de high touch.

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